Emmanuel d’Alzon poderia muito facilmente ter se tornado um pirralho mimado e, mais tarde, um playboy. Ele era um nobre rico, bonito e impulsivo com uma mãe generosa. No entanto, pela graça de Deus, ele superou as desvantagens e as tentações e tornou-se um fervoroso defensor dos direitos de Deus ao amor do homem e um construtor incansável do Corpo de Cristo, da Igreja, em uma França onde a vida cristã havia sido destruída ou estava adormecida, em parte como resultado da Revolução Francesa.
Emmanuel era o mais velho de quatro filhos nascidos do visconde Henri Daude d’Alzon e sua esposa, Jeanne-Clemence de Faventine Montredon. Nasceu em Vigan, nas Colinas Cevennes, Gard, em 30 de agosto de 1810. Ele tinha duas irmãs, Augustine e Marie, e um irmão que morreu na infância. A família d’Alzon era um ramo da família Daude que, desde 1580 se distinguia na luta contra os huguenotes. O visconde Henri d’Alzon era um homem um pouco tímido, dado ao estudo e à meditação, e não à ação. Ele era imperturbavelmente calmo, não facilmente dado à expressão de suas emoções. A viscondessa era um forte contraste em relação ao marido; era extremamente vivaz, um tanto orgulhosa, pronta para atacar ou reagir. Era forte, onde ele tendia a ser menos firme. Ela era autoritária e não toleraria nenhuma contradição. Ambos os pais eram profundamente religiosos; de fato, o visconde tinha pensado por algum tempo em ser sacerdote. De sua mãe, Emmanuel herdaria uma profunda preocupação com trabalhos de caridade.
A maior parte de sua infância Emmanuel passou no castelo ancestral de Lavagnac, onde foi aluno de um tutor particular. Como todos nós, Emmanuel tinha qualidades e falhas: ele era honesto, aberto, alegre, generoso, constantemente ativo, impulsivo, espirituoso, com tendência a dominar. Ocasionalmente, seu tutor, o Pe. Bonnet, tinha dificuldade em lidar com seu jovem. Uma vez Emmanuel recheou a cama do tutor com um ninho inteiro de pequenas corujas que começaram a coçar as pernas do pobre e o fizeram gritar pelos corredores do castelo. Em outra ocasião, Emmanuel, que gostava de brincar de ser sacerdote, estava “oficiando” uma cerimônia de casamento entre dois companheiros de brincadeira e, na presença de seu tutor, pregava um longo sermão, encorajando os casados, se o Senhor os desse filhos, a educá-los eles mesmos em lugar de confiar a um tutor.
Quando Emmanuel tinha treze anos, seu pai foi eleito para a Câmara dos Deputados e a família foi morar em Paris, onde ele foi inscrito no Colégio St. Louis, o equivalente a uma escola secundária júnior. Como estudante, era muito inconstante; seus professores até o chamavam de preguiçoso, e ele classificou-se ligeiramente acima da média de sua turma. Mas à medida que os estudos começaram a exigir menos memória e mais raciocínio seu interesse aumentou. Em 1824, ele mudou para o College Stanislas onde ficaria três anos. Paris, então, como agora, era tentadora, e Emmanuel escreveu que, se ele não tivesse tido força para confessar com frequência, ele realmente se tornaria um patife, “porque eu sou feito de tal maneira que tudo me agita e a menos que eu coloque sempre meu coração cada vez mais alto eu fico fora de mim mesmo”.
Nesta altura, o Visconde d’Alzon queria que seu filho estudasse direito para se tornar um diplomata ou um juiz. Em 1826, porém, Emmanuel expressou o desejo de se tornar soldado. Durante séculos, os d’Alzons tiveram uma forte tradição militar e Henri d’Alzon foi o primeiro visconde da família a não portar armas.
Ele convenceu seu filho a adiar a decisão e a continuar seus estudos literários. Para não chatear seus pais, Emmanuel abandonou toda ideia de se tornar um soldado. Em agosto de 1828, Emmanuel obteve o diploma de bacharel da Faculdade Stanislas. Entre 1828 e 30, estudou Direito na Sorbonne, mas nunca fez os exames de lei necessários. Como seus estudos de Direito o ocupavam apenas cerca de três horas todos os dias, ele frequentemente assistia palestras sobre História e Literatura. Participava da Missa diária e fazia visitas semanais a pacientes hospitalares a quem ocasionalmente dava aulas de Catecismo. Gradualmente, como revelado em cartas a seu amigo íntimo, Conde Luglien d’Esgrigny, datadas de 21 e 24 de janeiro de 1830, o sacerdócio parecia ser sua maneira de realizar seu plano de vida. O Pe. Simeão Vailhe aa, o melhor biógrafo, ao comentar sua vocação sacerdotal, escreve que Emmanuel via a Igreja do seu tempo atacada de todos os lados, via que era mal defendida doutrinariamente e via que como sacerdote poderia defendê-la melhor nessa luta. O próprio d’Alzon, em uma carta datada de 1833 a sua irmã Augustina, afirma: “Se eu já falei com você sobre minha vocação, acredito que eu disse que nasceu em mim de um grande desejo de consagrar-me à defesa da religião”. Três sacerdotes, incluindo seu confessor e um reitor do seminário, encorajaram sua vocação, mas sugeriram que ele adiasse o momento. Os pais de Emmanuel naquela época não sabiam nada sobre a nova direção que a vida de seu filho estava tomando. A Câmara dos Deputados foi dissolvida por decreto real em maio de 1830 e, em agosto, o rei Charles X abdicou. Emmanuel estava longe dos acontecimentos políticos porque passou os anos 1830-32 em uma espécie de retiro estudando em Lavagnac. Ele se levantava às seis, orava e meditava. Às sete horas, ele estudava as Escrituras Sagradas e às oito, sempre que possível, participava da Missa. Até as dez, ia caçar – ele adorava caçar. A partir de onze até cinco da tarde estudava e, durante a noite, duas horas de estudo até dormir às onze. Em suma, um dia bastante completo para um jovem de vinte anos.
Durante pelo menos dois anos, ele continuou este estudo intenso, disciplinado e pessoal. Então, em setembro ou outubro de 1831, finalmente disse a seus pais que desejava o sacerdócio. Seus pais ficaram um pouco surpresos, mas não colocaram obstáculos reais em seu caminho. Sua mãe, sem ter certeza de que pudesse controlar suas emoções, pediu apenas que Emmanuel não lhes dissesse exatamente quando ele iria deixá-los. Consequentemente, partiu para o seminário em Montpellier em 14 de março de 1832, sem notificá-los com antecedência.
LUTANDO POR DEUS (II)
Havia muitos aspectos da vida do Seminário que desagradavam Emmanuel: o cronograma não favorecia o trabalho pessoal e o dia era muito interrompido por vários exercícios. Os seminaristas passavam o horário de aula batendo boca sobre teologias. Os cursos pareciam incrivelmente fracos. D’Alzon tanto se empenhou no assunto que acabou ficando doente e teve que retornar brevemente a Lavagnac para descansar.
No entanto, a disciplina do Seminário era boa para ele, porque isso o ajudava a conter sua impulsividade e ensinou, a ele que anteriormente havia regulado sua própria vida, a se tornar mais obediente. Estava relutante em voltar para um segundo período em Montpellier, mas decidiu-se por ir e, em junho de 1833, recebeu as quatro ordens menores.
Emmanuel sentia o trabalho paroquial distante e as cartas desse período indicam que ele já estava pensando em termos de vida religiosa. Em um pequeno artigo datado de 21 a 26 de outubro, escreveu: “Resolvi, sempre que posso fazê-lo sem ser notado, começar uma espécie de vida monástica austera e fazer tudo o que estiver ao meu alcance para me penitenciar diante do Senhor. Lutar contra o orgulho”. Decidiu prosseguir seus estudos em Roma.
D’Alzon fez um retiro de um mês na paróquia jesuíta de São Eusébio, preparando-se para o subdiaconato. Foi ordenado subdiácono em 14 de dezembro de 1834 e recebeu o diaconato na Basílica de São João de Latrão em 20 de dezembro. Em 26 de dezembro, foi ordenado sacerdote pelo cardeal Odescalchi, na capela privada do prelado. No dia seguinte, rezou sua primeira Missa na cripta da Basílica de São Pedro. Nos seus três séculos de luta para defender a religião, os Alzons nunca tiveram um padre. Emmanuel foi o primeiro. Pe. d’Alzon, como agora poderia ser chamado, continuou a estudar Direito Canônico, Inglês, Alemão, História da Igreja e Sagradas Escrituras.
INÍCIO DO SACERDÓCIO
Pe. d’Alzon deixou Roma em maio de 1835 e em julho estava em Nîmes. Mesmo depois de uma entrevista inicial com seu bispo, ele não tinha a menor ideia do trabalho que deveria fazer. Encontrar um ministério adequado para o jovem sacerdote foi um problema para o bispo Chaffoy que, muitas vezes perguntou: “O que devo fazer com ele?” Os amigos de d’Alzon, não querendo que ele desperdiçasse seus talentos em Nîmes, o exortaram a ir a Paris, mas ele recusou. A diocese já tinha dois vigários gerais e o Capítulo diocesano estava completo; no entanto, em 8 de novembro, o bispo nomeou d’Alzon cônego e vigário geral honorário, com o direito de participar das reuniões do Conselho diocesano e com praticamente os mesmos poderes do vigário geral titular. Já era hora porque, no dia seguinte, o bispo Chaffoy foi atingido por uma paralisia que o incapacitaria fisicamente o resto da vida, impedindo-o de celebrar a Missa.
Pe. d’Alzon concebeu três projetos que gostaria de empreender: a conversão, por meio de debate científico, dos protestantes que, segundo ele, eram na França mais um partido político do que uma religião; a base de uma faculdade e de um convento carmelita.
O primeiro projeto ele abandonou, por ordem de seu bispo, mesmo antes de sua chegada a Nîmes. Os outros dois foram adiados porque outra pessoa fundou uma faculdade (1838) e porque o bispo não era favorável à fundação carmelita. Em 1837, Pe. d’Alzon tornou-se vigário geral da diocese, um cargo que ele ocuparia, sob quatro bispos, até sua morte. Enquanto isso, estava trabalhando muito na santificação da juventude, especialmente por meio do Catecismo da Perseverança.
Fundou a Sociedade de São Luiz Gonzaga, para os filhos da nobreza e da classe alta. Mais tarde, ele assumiria a Sociedade de Santo Estanislau, visando principalmente os filhos da classe trabalhadora. Em 1847, ambas as sociedades estavam unidas no Apostolado da Juventude. Para o aspecto doutrinal, Pe. d’Alzon adicionou uma abordagem recreativa: obteve mesas de bilhar, partidas de luta livre patrocinadas e até participou de lutas de esgrima. Tais atividades, no que poderíamos chamar de “anos de espera”, foram extremamente úteis. Ele procurava entre seus alunos, jovens e mulheres brilhantes, os que mais tarde poderia chamar para serem professores ou para alguma outra ajuda.
Em 1837, Pe. d’Alzon estava efetivamente trabalhando com a maioria dos jovens católicos de Nîmes.
Assumiu a direção das Damas da Misericórdia, aristocratas ricas da cidade, que ajudavam pessoas empobrecidas a encontrar emprego, complementavam escassos pagamentos e ajudavam a praticar as virtudes cristãs. No início, Pe. d’Alzon sentia-se desconfortável com elas; disse que sua primeira conversa com o grupo era como “engolir sapos”. Logo foi ficando mais à vontade e permaneceu associado a essas mulheres durante a maior parte de sua vida, sendo fonte de vocações religiosas e ajudantes preciosas.
Obviamente, o ministério sacerdotal, como tal, ocupava grande parte do tempo. A administração diocesana, incluindo a supervisão dos exames para jovens sacerdotes, era demorada. Ele pregou tanto que o bispo Chaffoy o chamava de “pregador fanático”. É preciso dizer que, naquele momento, seus sermões não eram tudo o que poderiam ter sido. Em uma folha de notas, o próprio d’Alzon escreveu: “Muitos dormiram, poucos entenderam”. Na verdade, seus sermões eram ainda frios, não tinham o toque popular, mas isso em breve mudaria. Por enquanto, ele estava apenas seguindo a tendência de todo jovem pregador de dizer tudo o que sabia sobre cada assunto.
A vida de d’Alzon não passou sem momentos mais leves. Uma vez, na presença do bispo, ele entrou em um duelo com o sobrinho do bispo, decorrente de uma discussão política. O bispo perdeu o humor da situação e imediatamente ordenou que os jovens saíssem do salão. Arrependendo-se de sua ação, enviou a seu jovem vigário-geral uma oferta de paz por meio de um crucifixo de marfim finamente esculpido.
Pe. d’Alzon sempre parecia apressado; corria de sua residência para a catedral, passando pelo corredor como um furacão. O fato é que ele amava a pontualidade; começava sua Missa ou qualquer outro ofício pontualmente. E seus compromissos sempre foram prontamente mantidos. Ele comia com moderação e rapidez. No entanto, este “homem com pressa” sempre tinha tempo para ouvir alguém que precisasse de conselhos ou de uma entrega. Ele deu somas enormes, pouco a pouco, a pessoas necessitadas; nunca tinha suficientes meias e camisas porque dava-as todas aos outros. Sua mãe reclamava que ele dava as camisas novas e ele dizia que os pobres precisavam das melhores porque nunca conseguiam ter nada. Tal bondade fazia multidões procurá-lo para obter direção espiritual, como uma pessoa comentou: “Prefiro ir até quem mostra sua fé com obras”.
LUTANDO POR DEUS (III)
No início de 1837, um projeto que d’Alzon planejava havia mais de um ano finalmente se tornou realidade quando o Refúgio foi findado, uma casa para garotas rebeldes, vítimas mais de fraqueza que de malícia. A princípio, o bispo se opôs a tal empreitada, mas depois disse a d’Alzon: “Vá em frente, meu filho, todas os fundadores são tolos e você tem todos os sinais disto.” O trabalho foi confiado às Irmãs de Marie-Thérèse. Pe. d’Alzon apoiava financeiramente o empreendimento, e também dando conselho e orientação às freiras e moças envolvidas, visitando o Refúgio até quatro vezes por dia. Durante sete anos, ele lhes entregou todo o seu salário de vigário-geral.
O Bispo Chaffoy morreu em setembro de 1837. Seu sucessor, Bispo Cart, nomeado em julho de 1838, apresentou ao rei Louis-Philippe o nome de d’Alzon para aprovação. Em março de 1839 d’Alzon foi definitivamente instalado. Juntos, os dois homens trabalharam duro para abastecer a diocese com padres, sendo ajudados providencialmente pela chegada a Nimes de cerca de setenta padres espanhóis que os eventos políticos em seu país haviam exilado. Neste momento, d’Alzon também incentivou as Irmãs da Caridade a desenvolver cursos de educação de adultos para mulheres trabalhadoras e criadas sem instrução. O empreendimento ficou tão popular que logo cerca de duzentas estavam matriculados.
As Religiosas da Assunção eram uma Congregação de freiras dedicadas à educação da elite, fundada em 1838 pelo Pe. Combalot e por Madre Maria Eugênia de Jesus (Eugenie Milleret). Madre Maria Eugênia obteve permissão para buscar a orientação espiritual do Pe. d’Alzon. Recontando as origens de seu Instituto, as religiosas da Assunção escreveram que Pe. d’Alzon ajudava e orientava a fundadora: “Ele era o pai de nossa mãe”. Nunca nenhuma delas considerou d’Alzon seu fundador; mas ele ajudou a criar o espírito da Congregação e trabalhou com a fundadora Maria Eugênia para escrever suas Constituições.
COMPRA DO COLÉGIO DA ASSUNÇÃO
Desde Napoleão, o ensino superior e secundário na França era monopólio estatal. A Restauração Bourbon e os governos subsequentes estenderam isso até às escolas primárias. A Carta da Monarquia de 1830 havia prometido “livre exercício” da educação, mas o rei Luís Filipe e seus ministros se opuseram durante todo o seu reinado. Uma das maiores lutas da vida do Pe. d’Alzon foi romper esse domínio e obter direitos iguais para as escolas particulares e religiosas, a fim de combater a ação anticlerical do sistema estatal.
No início de julho de 1843, enquanto estava em um breve feriado com seu bispo, Pe. d’Alzon recebeu uma carta de um padre amigo, Pe. Goubier, que mudaria toda a sua vida. Pe. Goubier escreveu que tinha acabado de comprar, em nome de ambos, o Colégio da Assunção em Nimes. Compreendia o ensino médio bem como os dois primeiros anos de faculdade. O Colégio tinha sido iniciado por Pe. Vennot em 1838. Chegou a ter cerca de cento e cinquenta meninos mas, em 1841, não eram mais que vinte e a escola estava com dificuldades financeiras. Com a compra, Pe. Goubier e d’Alzon pretendiam poupar os católicos de uma humilhação. Sua ideia inicial não era para uma escola, mas sim para um convento carmelita. Quando suas férias terminaram, Pe. d’Alzon correu para Aix-en-Provence para fazer arranjos com as carmelitas. Em dezembro de 1843, as carmelitas chegaram a Nimes e foram temporariamente alojadas em um colégio interno do outro lado da rua do Colégio da Assunção. (…)
Pe. d’Alzon começou a pensar grande; ele queria imitar o Colégio Stanislas em Paris, onde ele próprio estudara, e que tinha liberdade de exercício em educação, desde que aceitasse supervisão universitária e empregasse apenas professores certificados pelo Estado. Pe. d’Alzon queria ir além disso. Ele empregaria como professores leigos profundamente cristãos, todos formados em universidades, que preparariam estudantes para os exames de bacharelado, para a Escola Politécnica e para outras escolas especializadas. A instrução religiosa e a disciplina intramuros seriam confiadas aos sacerdotes.
Em 26 de maio de 1844, Pe. d’Alzon partiu apressadamente para Turim, onde seu cunhado, o conde de Puysegur, estava seriamente doente. Ficou lá durante a recuperação do conde e um dia, enquanto celebrava Missa diante da famosa imagem da Virgem Maria na Igreja da Consolata, fez o voto de servir a Deus como simples sacerdote, recusando todo cargo ou honras eclesiásticas, a menos que especificamente ordenado a aceitar pelo Papa. Imediatamente ele se sentiu impelido, por alguma inspiração celestial, a fundar uma congregação religiosa. Teria como objetivo “ajudar Jesus a continuar sua encarnação mística na Igreja e em cada um dos membros da Igreja”.
Em julho de 1844, seu Colégio da Assunção tinha apenas dez alunos, dos quais sete foram mandados embora. Ele passou o verão de 1844 negociando uma equipe escolar. Contratou Jules Monnier como reitor acadêmico, e o professor universitário Eugene Germer-Durand, que permaneceria na equipe até sua morte em 1880. Seu filho se tornaria um dos primeiros religiosos de d’Alzon e sua viúva se tornaria uma Oblata da Assunção e, embora tivesse então sessenta anos, partiu para as missões búlgaras.
Na primavera de 1845, Pe. d’Alzon passou alguns meses em Paris, lutando por “liberdade de exercício” para sua escola. Ele teve duas reuniões com o Ministro da Educação, Salvandy, e surpreendentemente recebeu algumas concessões. Ironicamente, isso foi em um momento em que os jesuítas estavam sendo obrigados a fechar algumas de suas escolas na França.
Em meio ao tumulto de sua preocupação com seu novo colégio, Pe. d’Alzon fez votos religiosos privados na igreja de Nossa Senhora das Vitórias, em Paris. Em setembro, chegou a Nimes, vestido com um hábito monástico branco com capuz, semelhante ao dos dominicanos. Como ele não tinha mais residência em Nimes, dormiu a primeira noite na enfermaria de sua escola.
OS ASSUNCIONISTAS (IV)
A história do Colégio da Assunção e a fundação da Congregação dos Assuncionistas estavam quase inextricavelmente interligadas. O nome da Congregação veio do Colégio. Pe. d’Alzon contava originalmente com o recrutamento de vocações entre os professores da escola, e a vida cotidiana dos religiosos estava necessariamente enredada nas atividades do Colégio.
Em setembro de 1845, poucos dias após seu retorno a Nîmes, d’Alzon se reuniu com o Bispo Cart e apresentou seu plano para fundar uma congregação. O bispo, sempre tímido e hesitante, autorizou-o a fazer a experiência por um ano. Os pais de Emmanuel, a quem ele também revelou seu desejo, eram um pouco mais contrários à ideia, por causa das complicações legais e financeiras, mas acabaram por dar sua aprovação. Pe. d’Alzon já estava profundamente endividado por causa de seu Colégio, mas como contava com as anuidades e com a herança de uma parte das propriedades da família, não se preocupou.
Como ele pensava em começar uma Congregação e uma Ordem Terceira, colocou os leigos casados em um grupo e os clérigos, alguns já ordenados, em outro; era o núcleo inicial. Reuniões, oração, meditações, conferências adequadas a cada um dos grupos foram imediatamente programadas. D’Alzon queria começar um noviciado no Natal, com cinco padres, incluindo ele próprio e um leigo.
A primeira Regra dos Assuncionistas era muito curta; a introdução estabeleceu o propósito e o caráter do novo instituto: “Nossa pequena Associação propõe santificar-se ampliando o reino de Jesus Cristo nas almas. Nosso espírito distintivo baseia-se no ardente amor a Nosso Senhor Jesus Cristo e a sua Santa Mãe, nossa especial padroeira, um grande zelo pela Igreja e um apego inviolável à Santa Sé. Nossa vida deve ser de fé, dedicação, sacrifício, oração, espírito apostólico e franqueza. Propomos estender o reinado de Nosso Senhor mais especialmente pelos seguintes meios:
1. Ensino
2. Publicação de livros úteis ao ensino
3. Trabalhos de caridade, através dos quais podemos preparar crianças para cumprir suas obrigações cristãs no mundo e para reconciliar os pobres e as classes ricas
4. Retiros, em nossas casas ou fora delas, sempre que conveniente
5. Missões estrangeiras e obras para eliminação do cisma e da heresia”.
(…) O último item faz referência aos esforços ecumênicos, como eram então compreendidos, para converter anglicanos e outros protestantes. Ainda não envolvia as igrejas ortodoxas. Somente em 1862 d’Alzon consideraria trabalhar na Turquia, por sugestão do Papa Pio IX.
No outono de 1848, d’Alzon tinha três noviços: Tissot, Cardenne e Saugrain. Em 1849-50, três novos recrutas chegaram: Pe. Henri Brun, Irmão Etienne Pernet, que estava destinado a ser o fundador das Irmãzinhas da Assunção, e François Picard, que tinha apenas 19 anos, aluno do Colégio da Assunção por seis anos.
Em outubro de 1849, Bispo Cart autorizou o noviciado de um ano e, na véspera do Natal de 1850, autorizou votos religiosos públicos por um ano. Na capela do Colégio da Assunção, depois das Matinas natalinas, na presença dos professores e alunos que se reuniram para a Missa da meia-noite, Pe. d’Alzon pronunciou os habituais três votos religiosos, aos quais acrescentou um quarto voto de dedicar-se à educação da juventude e à ampliação do reino de Cristo. Ele então recebeu os votos anuais do Pe. Brun e dos Irmãos Saugrain, Cardenne e Pernet. Exatamente um ano depois, d’Alzon, Saugrain, Brun e Pernet fizeram votos perpétuos, enquanto o irmão François Picard fazia votos anuais. A partir de então, todos apareceriam em Nîmes com seu hábito distintivo: uma batina negra com capuz e uma cinta de lã preta. Pe. Paul Tissot, que iniciara seu noviciado em 1845, fez votos em março de 1852 junto com Pe. Charles Laurent, que havia deixado a Congregação e retornara. Infelizmente, pouco antes de seus confrades emitirem os votos finais, Irmão Victor Cardenne morreu, uma morte pacífica após uma longa e dolorosa enfermidade. A alegria da fundação dos Assuncionistas foi mesclada à tristeza. Enquanto estes eventos estavam acontecendo, a Faculdade da Assunção estava se desenvolvendo. Em 1845, 95 alunos se inscreveram e, em 1852, 200.
Em 15 de março de 1850, a Assembleia Nacional votou a chamada lei Falloux, concedendo liberdade educacional a escolas religiosas e privadas. Durante vinte anos isso havia sido prometido aos católicos, mas quando chegou, estava longe de satisfazê-los, exceto para as escolas primárias onde obtiveram total liberdade. Apenas liberdade parcial foi concedida às escolas secundárias. A Universidade foi mantida sob controle contínuo de programas de graduação, de exames e sob o monopólio da concessão de diplomas pelo Estado. Estava ficando cada vez mais claro que, eventualmente, os católicos teriam que ter sua própria universidade.
“Senhores, até agora já tinha ouvido a eloquência cavalheiresca de um cavalheiro, a ardente eloquência de um tribuno, a polida eloquência de um orador sacro, a simples eloquência de um apóstolo, a magistral eloquência de um bispo, mas nestes dias ouvi-as todas de uma só vez de uma só pessoa…” (V)
Durante o verão de 1850, Pe. d’Alzon foi praticamente “intimado” a se tornar um dos membros católicos do Conselho Superior Nacional de Educação Pública; com relutância ele aceitou, provavelmente porque o Papa instava os católicos a obedecer as leis, apesar de suas imperfeições, para maior vantagem da Igreja. Pe. d’Alzon esteve no Conselho por dois anos, e um dos efeitos tangíveis de sua participação foi que os seminários menores permaneceriam sob o controle episcopal, supervisionados, mas não inspecionados, pelo Estado. Então a questão da liberdade acadêmica foi levantada. O Estado poderia impedir que um professor lecionasse, por causa de ideias objetivas que ele havia apresentado, por exemplo, em livros? O Estado alegou que poderia. Pe. d’Alzon viu aí um perigo, temendo que isso pudesse ser usado como alavanca para expulsar professores que ensinassem verdades cristãs. D’Alzon consultou o Núncio para saber como ele deveria se posicionar. O Núncio consultou Pio IX antes de responder que, como o Estado era o guardião da ordem e da moral pública, tinha o direito e o dever de impedir a difusão de ideias perigosas para a moral pública, a paz e a ordem da sociedade.
Provavelmente por causa das visões corajosas, esclarecidas mas impopulares, que ele havia apresentado no Conselho, e também por causa de suas “ideias subversivas”, foi excluído da lista de membros do Conselho em 1853. Sua saída, assim como sua entrada, não foram escolhas suas.
A Congregação dos Assuncionistas crescia lentamente. De 1850 a 1864, quando recebeu a aprovação de Roma, 50 ordenações foram realizados, mas somente 24 chegaram a votos perpétuos. Entre 1865 e 1880 – data da morte do Pe. d’Alzon – das 103 ordenações, 61 eram de votos perpétuos. (…)
Entre as primeiras casas da Congregação, podemos mencionar o colégio estabelecido em 1851 no bairro St. Honoré, em Paris, transferido em 1853 para o que havia sido uma cabana de caça de Henrique IV, em Clichy. Durou nove anos antes de se tornar vítima de fundos insuficientes e, possivelmente, de exigências de entrada excessivamente severas. Embora os assuncionistas ainda não tivessem casa própria em Roma, alguns estudantes de Teologia foram enviados para lá em 1850. Sua estada ajudou Pe. d’Alzon de várias maneiras, incluindo a maior facilidade em obter o decreto do Papa aprovando a nova ordem em 1864. Devemos agora mencionar os esforços de d’Alzon para iniciar uma universidade livre. O Conselho Regional de Bispos, em Avignon, pediu à Santa Sé para autorizar uma Faculdade de Teologia que concederia bacharelado e licenciatura. Roma recusou porque não queria comprometer a existência dos departamentos de Teologia das universidades francesas, onde os clérigos eram os professores. Ainda assim, os católicos se apegaram ao desejo de uma faculdade de Teologia que ajudaria a destruir os traços remanescentes do Galicanismo. Pe. d’Alzon estava na vanguarda desse movimento.
A Resenha de Educação Cristã, publicada pela primeira vez em novembro de 1851, foi fundada para divulgar ideias cristãs no ensino. Continha artigos sobre educação, religião, filosofa, literatura e linguagem, direito e belas artes. Foi através desta revista que d’Alzon se envolveu na chamada “discussão dos clássicos”, um debate sobre o papel e o uso na sala de aula de alguns autores cristãos, em vez de autores exclusivamente pagãos. Sobre este ponto, Pe. d’Alzon era mais liberal do que alguns de seus colaboradores; ele defendia o uso de autores cristãos nos graus inferiores, mas acreditava que, nos superiores, os autores gregos e latinos pagãos deveriam, de fato, ser estudados.
Entre 1871 e 1876, Pe. d’Alzon novamente lutaria por mais liberdade no ensino superior, por meio de uma Resenha de Educação Cristã reformada. Em uma lei votada pela Assembleia em 1875, ele obteve um sucesso significativo, mas apenas parcial. Mais tarde, esses ganhos seriam perdidos mas, nestas alturas, universidades católicas haviam sido fundadas em Paris, Lille, Lyon, Angers e Toulouse.
Em meio a tantas ocupações, Pe. d’Alzon continuava sua intensa atividade de pregação. Às vezes ele pregava três ou quatro vezes por dia. Calcula-se que entre 1851 e 1880 ele tenha pregado cerca de 5 mil vezes, incluindo pelo menos 98 retiros (alguns ao longo de uma semana). A própria frequência de suas palestras o impedia de colocar por escrito a maioria delas, e muitas vezes temos hoje apenas notas, referências ou esboços. As pessoas comuns amavam sua pregação. Os da classe alta que o conheciam bem perdoavam uma certa familiaridade de expressão, mas outros se ofendiam com sua linguagem franca. No púlpito, d’Alzon apresentava uma bela figura; ficava à vontade, educado sem ser teatral. Seus gestos eram expressivos e sem pressa. Agia com naturalidade; sua voz era vibrante e sua dicção absolutamente pura. Seu sucesso como pregador pode ser resumido nestas palavras do Bispo Pie, de Poitiers: “Senhores, até agora já tinha ouvido a eloquência cavalheiresca de um cavalheiro, a ardente eloquência de um tribuno, a polida eloquência de um orador sacro, a simples eloquência de um apóstolo, a magistral eloquência de um bispo, mas nestes dias ouvi-as todas de uma só vez de uma só pessoa…”
Entre 1851 e 1860, um dos principais esforços apostólicos do Pe. d’Alzon dizia respeito aos protestantes, que no sul da França eram numerosos e poderosos. Entre seus planos estava o de criar um centro em Nîmes composto por mulheres terciárias, onde os protestantes pudessem participar de estudos ou orações, com vistas a sua conversão. Todas as segundas-feiras, na catedral de Nîmes, ele falava sobre protestantismo, palestras cuidadosamente estudadas e pesquisadas, mesmo sobre questões mais polêmicas, com a participação de numerosos padres e, às vezes, havia mais de 500 protestantes entre seus ouvintes. Ele também queria estabelecer dois “orfanatos” (não restritos a órfãos), para onde viriam jovens que seus pais permitiriam viver como católicos. Uma casa de meninos já existia em Mireman, perto de Nîmes, onde quinze garotos não católicos viviam. A casa das meninas foi iniciada em 1854 e era ajudada financeiramente pelo Pe. d’Alzon. Prosperou e acabou sendo assumida pelas Irmãs de Caridade.
CRISTIANISMO SOCIAL (VI)
Agora deve estar claro que as obras de d’Alzon, bem-sucedidas ou não, sempre tiveram um espírito cristão apostólico, nunca meramente humanitário. É nesse contexto que podemos falar de suas obras sociais. Para compensar os terríveis efeitos da literatura ofensiva e muitas vezes imoral, Pe. d’Alzon desenvolveu bibliotecas paroquiais em 236 das 249 paróquias da diocese de Nîmes, e logo a ideia se espalhou. Em quatro dioceses vizinhas havia 903 dessas bibliotecas, de um total possível de 1.069. Foi lançada a Resenha da Biblioteca Paroquial, uma revista mensal com bibliografas, resenhas e lista de novas publicações, inicialmente financiada quase completamente por Pe. d’Alzon. A propagação de bons livros era evidentemente uma das suas grandes preocupações, e incluía a distribuição de livros a prisões, hospitais, soldados, trabalhadores e camponeses. A venda de livros censuráveis tornara-se uma praga nacional e, para neutralizá-la, Pe. d’Alzon organizou equipes de vendedores que durante muitos anos ofereciam bons livros de porta em porta.
Enquanto isso, alguns dos estudantes mais antigos do Colégio da Assunção gastavam muito do seu tempo livre ensinando soldados da guarnição local que, em sua maior parte, eram analfabetos. As Terciárias da Assunção mantinham o que hoje chamamos de aulas de Doutrina Cristã para soldados, com resultados surpreendentes. Antes do 39º Regimento de Linhas partir para a Guerra da Crimeia, 108 homens foram crismados e 38 fizeram a Primeira Comunhão.
Em 1850 d’Alzon iniciou o Apostolado de Santa Marta. Seu principal objetivo era dar ajuda temporária às criadas sem emprego ou dinheiro. Nas reuniões mensais, depois das orações iniciais, as meninas podiam trocar informações sobre empregos disponíveis. Tudo era gratuito, incluindo hospedagem de curto prazo. Não era uma agência de emprego, mas uma organização de ajuda mútua sem fins lucrativos.
Padre d’Alzon foi um forte defensor do movimento de “assistentes” do Pe. Everlange, que fornecia ajuda espiritual e material aos pobres doentes em suas casas. Os “assistentes” eram geralmente pessoas da classe trabalhadora que, após o trabalho diário, passavam a noite à beira do leito de doentes e moribundos. Esta obra de caridade pode ter inspirado a ideia do Pe. Etienne Pernet de fundar as Pequenas Irmãs da Assunção, enfermeiras dos pobres em seus lares.
Os clubes de meninos foram outro trabalho encorajado pelo Pe. d’Alzon, especialmente para aqueles que trabalhavam a semana toda, mas que podiam passar o domingo em tais clubes. Após a Missa, eles eram instruídos por estudantes do Colégio da Assunção, jogavam, em suma, eram mantidos fora das esquinas e fora dos cafés. (…)
As atividades apostólicas incessantes enfraqueceram a saúde do Pe. d’Alzon. Ao seu trabalho como vigário geral, superior de uma congregação, diretor de um colégio de cerca de 200 estudantes, ele acrescentava incontáveis horas de confissões e orientação espiritual. Geralmente ele recebia pessoas por cerca de dez horas diárias. Abcessos na garganta, resfriados persistentes e nevralgia o esgotaram. Em maio de 1854, ele sofreu uma congestão cerebral. No ano seguinte, um especialista diagnosticou meningite cérebro-espinhal e solicitou longos períodos de descanso. Mesmo durante suas “férias”, ele escrevia muitas cartas de direção espiritual e, nesse período também, escreveu o Diretório dos Assuncionistas, apresentando sua espiritualidade característica. (…) A essa altura, a direção do Colégio da Assunção havia sido assumida por um padre recém-ordenado, Pe. de Cabrieres, e Pe. d’Alzon aparecia em Nîmes com pouca frequência.
A situação fnanceira deixava Pe. d’Alzon sem descanso. Isso é muito irônico, dado o fato de ter herdado uma fortuna considerável de seus pais. A venda de alguns dos edifícios e terrenos do Colégio foi considerada. Nunca Pe. d’Alzon sofreu mais do que durante estes tempos difíceis. À sua dor física, foi adicionado o sofrimento moral de ter que talvez dissolver a congregação, dispersar seus membros e vender sua faculdade. Mas no momento em que a faculdade estava prestes a ser leiloada, formou-se uma empresa que levantou aproximadamente metade da quantia necessária. Amigos, ex-alunos, o prefeito de Nîmes e muitas pessoas influentes compraram ações. O bispo se opunha à ideia porque temia perder seu vigário geral se a faculdade fosse vendida. A família d’Alzon forneceu a quantia restante necessária, desde que Emmanuel, a partir de agora, não tivesse nada a ver com as finanças da faculdade e desde que houvesse um tesoureiro responsável. Assim, o Colégio e a Congregação foram salvos; Pe. d’Alzon foi libertado das preocupações financeiras e poderia continuar a ser o diretor intelectual e moral do trabalho, enquanto outra pessoa lidava com o funcionamento diário da escola.
Ao longo dos anos, tentativas foram feitas de unir ou fundir os Assuncionistas com alguns institutos religiosos, como os Padres da Santa Cruz, chefiados pelo Pe. Moreau, os Redentoristas, sacerdotes poloneses que queriam trabalhar para a conversão dos Ortodoxos, os Eremitas de Santo Agostinho… Pe. d’Alzon sentia que tinha uma missão providencial, que sua congregação tinha um espírito e caráter especiais e não queria que ela fosse simplesmente engolida. Ele estava pronto para fazer concessões, mas os outros cederam apenas em questões externas e ele ficou insatisfeito. Muitas vezes foi persuadido contra a fusão por seus próprios religiosos, incluindo seu jovem negociador, François Picard, que tinha apenas 25 anos, e os jovens religiosos em Roma que estavam vivendo com algumas dessas comunidades e que viram que os objetivos e o espírito dos grupos eram tão diferentes que uma união bem-sucedida era impossível. Podemos mencionar aqui que algum tempo antes de 1854 d’Alzon começou a chamar sua congregação de Agostinianos da Assunção porque ele estava usando a Regra de Santo Agostinho, devido à sua devoção ao bispo de Hipona, e porque sonhava algum dia ter seu instituto incluído entre as principais ordens monásticas. Os Agostinianos, por sua vez, teriam desejado os Assuncionistas como uma espécie de província francesa dentro de sua Ordem, porque eles não tinham nenhum religioso na França desde a Revolução. O mais próximo que os dois institutos chegaram foi uma afliação superficial em 1866, por meio da qual os Assuncionistas compartilhavam os benefícios espirituais da Ordem Agostiniana.
Em 26 de novembro de 1864, os Assuncionistas receberam aprovação papal, mas suas Constituições ainda não tinham sido aceitas, nem seu quarto voto. Durante a batalha de 1859-60 para preservar a independência dos Estados Pontifícios, Pe. d’Alzon foi um firme defensor da causa papal e um trabalhador para financiar as tropas papais. A Viscondessa d’Alzon faleceu dia 12 de outubro de 1860. Seu filho não pôde lhe dar os últimos ritos porque o bispo de Montpellier havia retirado suas faculdades diocesanas por causa do “excesso de zelo” de d’Alzon pelo Vaticano.
MISSÕES NO ORIENTE PRÓXIMO (VII)
Na Síria, muitos cristãos foram massacrados pelos árabes muçulmanos em 1860. Respondendo a um chamado para ajudar os cristãos, Pe. d’Alzon havia recebido no Colégio da Assunção oito jovens que, depois de concluída sua educação, seriam devolvidos a Jerusalém como o núcleo de um seminário maronita que seria fundado como extensão da Congregação dos Assuncionistas. O Cenáculo estava à venda a um preço razoável e d’Alzon tinha amplos fundos herdados de sua mãe. Por que o projeto do seminário foi abandonado? A verdade simples é que havia uma conspiração, mesmo entre a comitiva papal, para destinar o dinheiro de d’Alzon não para Jerusalém mas para a Bulgária.
Papa Pio IX queria muito a construção de um seminário na Bulgária. É neste contexto que devemos interpretar suas palavras para d’Alzon durante uma audiência pública em 4 de junho de 1862: “Abençoamos seu apostolado no Oriente e no Ocidente”. Em audiência privada, explicitou seu desejo de que os assuncionistas trabalhassem na Bulgária.
O Cardeal Barnabo, chefe da Propaganda, opunha-se ao seminário, mas Pio IX disse a d’Alzon que continuasse. Esse pequeno detalhe é mencionado apenas para indicar como forças opostas estavam em ação e quão complicada a missão missionária do Oriente Próximo logo se tornou. Os caminhos bizantinos tornaram-se verdadeiramente labirínticos quando os Ressurreicionistas entraram em cena. Eles perceberam que, devido à agitação política de alguns de seus associados, não eram muito populares nos círculos do Vaticano, e viram na missão búlgara uma maneira de melhorar sua imagem. Então forçaram um pouco demais. Eles negociavam em Roma como se estivessem sozinhos e decidiram que iriam levar a missão eslava enquanto os Assuncionistas levariam os gregos e os romenos.
Pe. d’Alzon percebeu a manobra e exclamou: “Foi para mim, não para os poloneses, que o Papa confiou a missão búlgara.” Em 1862, todo o pensamento de união entre os institutos foi esquecido e todos os esforços de cooperação em missões foram condenados. Os Ressurreicionistas se mudaram para a Bulgária e Pe. d’Alzon deixou isso acontecer porque nessa época ele estava considerando uma abordagem mais intelectual e mais ampla em sua batalha para conquistar os ortodoxos. Decidiu desistir, se necessário, do apostolado direto aos búlgaros, em favor do estudo e da refutação do cisma grego. Ele acreditava que a disseminação da influência russa poderia ser interrompida fortalecendo a Turquia e obtendo o retorno a Roma de seus súditos cristãos. Tal abordagem parece estranha hoje, mas naquela época a aliança do cristianismo ocidental e do islamismo contra a Rússia parecia vantajosa para o Ocidente.
Então Pe. d’Alzon partiu para a Turquia e a Bulgária. Ele escreveu um pouco antes: “Meu Deus, em que tipo de ninho de vespas estou me metendo! Mas é preciso ser um pouco tolo para Deus”. Foi difícil para d’Alzon descobrir precisamente os sentimentos do povo búlgaro. Muitas vezes, só o que ele tinha era a palavra de políticos ou revolucionários e concluiu que a ajuda do Ocidente foi buscada mais por razões pessoais, políticas, do que por razões religiosas profundas e sinceras. O estudo de Galabert sobre as regiões ao redor de Adrianópolis (hoje Edirne) e Filipópolis (hoje Plovdiv) levou à conclusão de que o clero local não deveria ser considerado e que a única esperança real para o futuro residia nas escolas onde a futura geração pudesse ser educada como católica.
Em Filipópolis, a escola primária de Santo André foi iniciada pelo Pe. Galabert, ajudado pelos Irmãos Gallois e Chilier. Por 45 anos os Assuncionistas subsidiaram esta escola, que era uma escola paroquial simples. D’Alzon tinha grandes sonhos sobre a união das igrejas orientais em Roma, mas seus religiosos estavam conscientes de seu pequeno número e optaram por fazer o que era mais urgente ou mais administrável. Mais tarde, empreenderiam projetos mais ambiciosos, como o Colégio de Filipópolis. E com o tempo veríamos os assuncionistas em Jerusalém, Belgrado, Atenas, Constantinopla e na Romênia, Bulgária, Turquia e Rússia.
VOCAÇÕES (VIII)
Em 1871 Pe. d’Alzon estava cada vez mais preocupado com o problema das vocações. Os Assuncionistas eram apenas quarenta, incluindo irmãos leigos e muitos ainda não ordenados. Uma solução parcial foi encontrada em um tipo especial de seminário menor. Ele ganhou um terreno, uma casa degradada e uma capela abandonada dedicada a Nossa Senhora dos Castelos, na encosta de uma montanha em Savoy. Aceitou o presente e começou a encontrar vocações entre os jovens da classe mais pobre, que raramente poderiam financiar os estudos necessários para o sacerdócio.
Casa e capela foram rapidamente reparadas e uma primeira Missa foi celebrada em 28 de agosto de 1871. Cinco estudantes estavam presentes, e um sexto companheiro apareceu apenas para a Missa. D’Alzon, em sua homilia, aproveitou o número seis para comparar os primeiros seminaristas com as seis talhas de Caná. Ainda tinham pouco valor, mas o Senhor os encheria de tesouros de conhecimento e virtude. A imagem das “seis talhas” tornou-se lendária na história da instituição. Para o programa regular de estudos, os seminaristas acrescentariam a recitação de Laudes e Completas e o canto das Vésperas diárias. Aulas de liturgia e de canto simples também foram incluídas. Esperava-se que cada aluno ajudasse na cozinha e nas tarefas domésticas. O trabalho manual seria um excelente treinamento para os futuros missionários do Evangelho.
Pe. d’Alzon insistiu que eles se caracterizassem por um espírito de fé, franqueza, sacrifício e iniciativa. A atmosfera do seminário deveria ser a de uma família amorosa. Enfatizamos aqui que os seminaristas foram escolhidos exclusivamente entre os jovens mais pobres que não podiam pagar por tal escolaridade, mas lhes foi dada total liberdade de escolha. Eles poderiam se tornar padres diocesanos, religiosos de qualquer Ordem ou Congregação, até mesmo Assuncionistas. Locais adicionais foram abertos em Nice, Arras, Vigan e Clairmarais. Só Clairmarais forneceu um arcebispo, um bispo e cerca de 430 padres, regulares ou seculares.
Na última década de sua vida, Pe. d’Alzon, dedicou-se especialmente à formação espiritual de seus religiosos, homens e mulheres. Ele já havia terminado o seu Diretório, que complementava a Regra de Santo Agostinho, e as Constituições de cada instituto. Em uma série de Cartas Circulares, escritas entre 1874 e 1878, expôs os princípios e diretrizes que deveriam orientar seus religiosos. Constam, entre outras coisas, educação em faculdades e seminários, apostolado, necessidade de estudo constante, métodos e espírito de oração mental e soluções para vários problemas. Ele também condensou seu legado espiritual em suas Meditações para um Retiro, que tratam dos aspectos mais importantes da vida religiosa e sacerdotal. Deixou inacabada uma segunda série de meditações sobre o ciclo do Ano Litúrgico.
A espiritualidade que Pe. d’Alzon desejava para as famílias assuncionistas deveria ter as seguintes características: ser acima de tudo apostólica, baseada num espírito de fé, preocupada em afirmar publicamente a ordem sobrenatural. Além da educação, os religiosos deveriam usar como meios a imprensa popular, peregrinações, serviço social e trabalho ecumênico. A influência de Santo Agostinho e de São Tomás de Aquino está muito presente nessa espiritualidade essencialmente doutrinária, enérgica e otimista, na tentativa de realizar no mundo o lema que d’Alzon deu a seus religiosos, Adveniat Regnum Tuum (Venha o Vosso Reino). Foi pelos direitos do Reino de Deus que ele lutou durante toda a sua vida. Os estudantes Assuncionistas seriam caracterizados por um senso de dever, lealdade, franqueza, aceitação de sacrifício, desinteresse e um profundo espírito sobrenatural.
O apostolado assuncionista deveria ser desinteressado, aberto a todos os empreendimentos nobres e adaptável. Dizia: “Não excluamos nenhuma forma de santidade ou de caridade. Nós não podemos retê-las todas para nós mesmos; vamos amar e encorajar nos outros aquilo de que nós mesmos somos incapazes.” Ele acreditava que a Igreja se renovava constantemente; a cada período correspondem novas necessidades, novos empreendimentos apostólicos e o zelo do apóstolo deve adaptar-se às necessidades de seus contemporâneos. “Foi dado apenas à palavra de Cristo ser de todos os tempos e para todas as situações; somente o Evangelho sempre terá as respostas que satisfazem todas as necessidades da alma”.
APOSTOLADO DA IMPRENSA E FALECIMENTO (IX)
Desde 1877, Pe. Vincent de Paul Bailly publicava em Paris uma animada revista semanal ilustrada, a Le Pèlerin (O Peregrino), que chegou a ter uma tiragem de 60 mil exemplares. Pe. d’Alzon, apesar de algumas dúvidas sobre o tom da revista, encorajou-o a continuar. No início de 1880, Pe. Bailly lançou, como balão de ensaio, a ideia de um jornal diário.
Em reação às forças violentamente antirreligiosas que estavam arrancando crucifixos das paredes de salas de aula e impedindo que cruzes fossem colocadas nas lápides, Pe. d’Alzon orgulhosamente colocou o crucifixo como marca de identificação do jornal e deu-lhe o nome de La Croix (A Cruz); ele é editado até hoje na França. Esse jornal deveria salvaguardar a liberdade gravemente ameaçada da Igreja. Seria também o último empreendimento de d’Alzon. Ele contribuía com artigos a cada edição. “Cada um desses artigos”, escreveu o Cardeal de Cabrières, “derramava de seu coração como o rio de metal derretido na fornalha, devorando dia a dia suas reservas vitais, queimado como estava pela tristeza incessante”, em meio a novos ataques do governo contra escolas dirigidas por religiosos, a menos que tivessem sido especificamente autorizadas pelo Estado. Convictos de que na unidade reside a força e se opondo a capitular perante o Estado, os representantes de numerosas congregações, entre eles jesuítas, dominicanos, oratorianos, carmelitas e assuncionistas, por unanimidade, recusaram-se a solicitar tal autorização. O governo retaliou, começando a expulsar algumas dessas ordens.
Pe. d’Azon estava exausto com essa nova luta pela liberdade de educação.
No entanto, continuou escrevendo e supervisionava pessoalmente a formação de noviços assuncionistas. Como ele já havia se afastado do encargo de vigário geral da diocese, a seu pedido, agora tinha um pouco mais de tempo para outras atividades. Em setembro de 1880, ele pregou uma semana de retiro no mosteiro cartuxo de Valbonne. Depois, quando previu que a expulsão de seus religiosos da França era iminente, começou a planejar sua dispersão para a Espanha e a Inglaterra. Sua fraqueza e doença aumentaram a ponto de, depois de 11 de outubro, ele não mais poder celebrar a Missa. Em 5 de novembro, recebeu os últimos ritos.
Em Paris, no mesmo dia, a polícia estava literalmente derrubando a porta da Casa de Assunção de Francisco I, forçando os religiosos a evacuar e colocando lacres oficiais nas instalações. Tal ação era esperada também no Colégio da Assunção em Nîmes, mas a intervenção de pessoas influentes conseguiu evitar o ataque até a morte de d’Alzon.
Depois de uma longa agonia, Pe. Emmanuel d’Alzon morreu serenamente em 21 de novembro de 1880.
Mons. Vitte, bispo de Anastasiópolis, resumiu sua vida assim: “Ele era um valente soldado, … sempre pronto para o combate… ele se opunha energicamente a tudo o que era falso, desonesto ou desleal… ele não admitia nenhum compromisso com erro ou fraqueza… ele era um verdadeiro soldado de Deus, um cavaleiro da Santa Igreja”.
(Transcrição, traduzida por Ehusson Chequer, do livro d’Alzon, Lutando por Deus, do escritor americano Pe. Richard Richards aa – último capítulo)